Journal De Bruxelles - A periferia pobre do Peru e sua pegada de carbono mínima

A periferia pobre do Peru e sua pegada de carbono mínima
A periferia pobre do Peru e sua pegada de carbono mínima / foto: Ernesto BENAVIDES - AFP

A periferia pobre do Peru e sua pegada de carbono mínima

Sofía Llocclla Pellaca desce a pé um morro sem iluminação em Lima. Ela não come carne durante a semana, cozinha a gás ou lenha e capta água da neblina - uma rotina de uma aliada involuntária na luta contra o aquecimento global.

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De origem quéchua, aos 31 anos, é mãe solteira de uma adolescente e de uma criança pequena e vive nas altitudes desérticas da capital peruana, onde se concentra a maior parte dos 2,7 milhões de pobres da cidade - que representam um pouco mais de um quarto dos seus 10 milhões de habitantes.

O Peru, com uma indústria precária e informalidade de 73%, é um país predominantemente minerador e pesqueiro, com uma das menores pegadas de carbono per capita do continente: 1,7 tonelada de gases de efeito estufa, em comparação, por exemplo, com as 4,2 toneladas produzidas anualmente pelos argentinos ou as 15 toneladas por habitante nos Estados Unidos.

Ligar a luz, usar a máquina de lavar, tomar um banho quente, viajar de avião ou usar veículo a gasolina, comer carne bovina... Praticamente todas as atividades e o consumo liberam emissões.

No entanto, o petróleo e o carvão são de longe as principais fontes de CO2.

Em novembro, líderes mundiais se reunirão em Dubai, na Conferência das Partes sobre o Clima, a COP28, para discutir a substituição de fontes de energia fósseis por energias limpas.

Sofía vive em uma das áreas de pobreza cobertas pela névoa, ao sul de Lima - que não para de crescer devido à migração interna. Ela deixou a área rural há uma década e se instalou no morro em uma pequena casa inacabada, sem banheiro ou aquecimento.

Atualmente, ela possui uma televisão, um fogão quebrado e uma geladeira parcialmente vazia. Quando o gás acaba, ela cozinha as refeições da manhã e da noite com lenha. Muitas famílias almoçam com o que preparam coletivamente, em uma espécie de "panela comum".

Sofía nunca viajou de avião e quase não utiliza o transporte público. "Eu desço a pé, vou a pé e volto a pé", conta essa mulher, que trabalha como empregada doméstica por menos da metade do salário mínimo mensal de US$ 265 (cerca de R$ 1.300).

- Uma pegada ilusória -

Cerca de 63% das emissões de gases estufa no Peru são provenientes do desmatamento da Amazônia e da transformação do solo da floresta ou agrícola em assentamentos urbanos sem padrões ambientais, explica o ex-ministro do Meio Ambiente, Manuel Pulgar-Vidal.

No assentamento onde Sofía mora, não há iluminação pública ou saneamento básico. A água potável é trazida a cada 15 dias por caminhões-pipa. Os sistemas de captura de névoa, com painéis de altíssimos que coletam o orvalho, aliviam a escassez de água.

Ela e sua mãe, que mora algumas casas acima, obtêm energia elétrica por meio de uma ligação clandestina.

No entanto, é "confuso e ilusório" supor que o Peru, por ser um país em desenvolvimento, possa de desligar de suas responsabilidades frente à crise climática.

Ricos e pobres, "o mundo sairá gradativamente dos combustíveis fósseis. Isso é inevitável", enfatiza o ex-ministro.

O desafio começa nas periferias. É preciso garantir serviços básicos, um padrão de construção harmonioso com o "ecossistema circundante", melhorar os aterros sanitários e eletrificar o transporte, explica.

A maior preocupação de Sofía é a "mobilidade" de sua filha de 14 anos, Flor María, quando sai da escola. Ela gostaria de ter uma moto para levá-la.

Também acredita que "seria bom" ter um painel solar como o de sua irmã, porque a luz "vai e vem", acrescenta. Um painel pequeno custa cerca de US$ 115 (aproximadamente R$ 570).

No curto prazo, a América Latina não estabeleceu "estratégias claras e bem planejadas" para migrar para "energias renováveis não convencionais" porque está "presa na armadilha do petróleo, do carvão e do gás", recursos de que dispõe em abundância e com os quais se financiou por décadas, afirma o ex-ministro, que faz uma advertência adicional: serão taxadas ainda mais as importações daqueles países "que produzem ou que geram seus produtos com alta carga de carbono".

J.M.Gillet--JdB