Journal De Bruxelles - Em um ano na Presidência, Milei colhe êxitos econômicos, mas não para todos os argentinos

Em um ano na Presidência, Milei colhe êxitos econômicos, mas não para todos os argentinos
Em um ano na Presidência, Milei colhe êxitos econômicos, mas não para todos os argentinos / foto: Emiliano LASALVIA - AFP/Arquivos

Em um ano na Presidência, Milei colhe êxitos econômicos, mas não para todos os argentinos

Um ano após chegar à Presidência da Argentina, o ultraliberal Javier Milei coleciona alguns êxitos econômicos: a inflação diminui e as contas fiscais se equilibram, ainda que a um custo social alto. Resta saber o que vai prevalecer: o impacto do ajuste ou a recuperação econômica?

Tamanho do texto:

"Amo ser o espião dentro do Estado, sou aquele que destrói o Estado por dentro", declarou Milei em junho passado. Em sua visão, o Estado é "uma organização criminosa", que deve se limitar à macroeconomia, à segurança e às relações exteriores.

Assim, o presidente eliminou metade dos ministérios, paralisou obras públicas, fechou a agência estatal de notícias Télam e o Instituto contra a Discriminação, além de demitir mais de 30.000 funcionários públicos.

Já a inflação, um dos maiores desafios econômicos da Argentina, parece sob controle. Embora tenha sido de 193% ao ano, passou de 25,5% ao mês em dezembro de 2023 para 2,7% em outubro de 2024.

Em outras palavras: os argentinos não vão mais ao supermercado, temendo que os preços disparem do dia para a noite.

É uma "melhora psicológica", disse à AFP Gabriel Vommaro, sociólogo da Universidade Nacional de San Martín. "Se a gente comparar a situação de 2024 com a de 2023, em algumas variáveis que têm a ver com a estabilização econômica, tanto da inflação com os preços relativos quanto com o dólar, há um êxito fundamental".

O governo manteve controles sobre a compra e a venda de divisas, impôs uma "lavagem" de capitais e interveio para fixar o preço do dólar, gerando rendimentos extraordinários para o setor financeiro.

Mas, "o custo econômico social foi grande; a pergunta fundamental é se são custos passageiros ou duradouros", acrescentou Vommaro.

- A outra face do ajuste -

"O que mudou é o que faltava: estabilidade, capacidade de planejar o futuro", disse à AFP Alejandro Reca, diretor-executivo da empresa de laticínios San Ignacio, principal exportadora de doce de leite do país. "Somos muito otimistas, estamos reativando uma série de investimentos que havíamos freado e estavam parados".

A outra face da moeda é uma recessão que, segundo projeções do Banco Mundial, fez a economia encolher 3,5% em 2024, com a queda vertiginosa do consumo e o derretimento dos salários e aposentadorias. A pobreza alcançou 53% da população no primeiro trimestre de 2024, um aumento de 11,2 pontos percentuais desde a posse de Milei.

Os ganhadores "são, sem dúvida, os setores vinculados às atividades primárias: petróleo, mineração, pesca, em certa medida o agro", resumiu Vommaro. "E o grande perdedor é o setor público em todas as áreas: saúde, educação, ciência e técnica, educação superior, mas também a administração pública".

Um fator inesperado poderia beneficiar a recuperação econômica: após a seca de 2022-2023, que custou cerca de 20 bilhões de dólares (cerca de R$ 97 bilhões, em valores da época), a primeira safra sob a gestão de Milei poderia ser uma das melhores da história.

Além disso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) - ao qual a Argentina reembolsa o maior empréstimo já pago pela instituição - revisou em outubro as condições de um empréstimo de 40 bilhões de dólares (R$ 231 bilhões, em valores da época), com forte redução dos juros.

- Milei e a política -

No campo político, Milei foi empossado com uma minoria no Congresso, mas conseguiu a aprovação de uma extensa lei de reforma do Estado e os votos para manter de pé seus decretos, enquanto a ex-presidente Cristina Kirchner assumiu a presidência do peronismo opositor e alimenta sua polarização com o chefe da Casa Rosada.

Mas socialmente, o panorama se complica, mesmo com as pesquisas de opinião mostrando um apoio ao presidente de cerca de 45%, ou até mesmo próximo a 50%, segundo dados recentes.

O plano de ajustes, somado à "guerra cultural", provocou a mobilização de estudantes, aposentados, sindicatos, movimentos sociais, médicos e cientistas que protestaram durante todo o ano contra o governo.

Centenas de milhares de pessoas repudiaram, com livros nas mãos, os cortes na universidade pública; mulheres e representantes da diversidade se manifestaram contra o que percebem como discursos de ódio, e organismos de defesa dos direitos humanos lideraram uma mobilização multitudinária contra o chamado negacionismo do governo sobre a última ditadura argentina (1976-83).

Na política externa, Milei se aproximou de Estados Unidos e Israel, comemorou a vitória de Donald Trump nas eleições americanas; demitiu sua chanceler, após um voto favorável a Cuba na ONU; e buscou se posicionar como um profeta do Ocidente contra "a hegemonia cultural da esquerda".

W.Baert --JdB