Journal De Bruxelles - Extorsão, um crime lucrativo que percorre a América Latina

Extorsão, um crime lucrativo que percorre a América Latina
Extorsão, um crime lucrativo que percorre a América Latina / foto: Cris BOURONCLE - AFP

Extorsão, um crime lucrativo que percorre a América Latina

Antes de inaugurar sua sauna na zona leste de Lima, Eduardo começou a ser extorquido por celular. Ele ignorou a ameaça. O aviso seguinte foi muito diferente: uma noite, alguém em uma moto abriu fogo contra o local desocupado que ele estava reformando.

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Do México à Colômbia, passando por Equador, Peru, El Salvador, Honduras e Guatemala, a extorsão minou a segurança dos cidadãos.

Os lucros milionários colocam-na atrás do tráfico de drogas ou de pessoas, e pode ser mais lucrativa do que o garimpo ilegal, segundo fontes de Inteligência consultadas pela AFP.

No caso de Eduardo, ele soube do ataque por meio de um vídeo enviado para seu celular. Os "donos de San Juan de Lurigancho", facção que atua neste bairro, o mais populoso da capital peruana, com 1,2 milhão de habitantes, exigiam uma "matrícula" de instalação de 13.300 dólares (66.293 reais na cotação atual) e uma mensalidade de 1.300 dólares (6.479 reais).

"Estou andando quase às escondidas porque imagino que já estudaram tudo e sabem onde moro, onde tomo café da manhã, onde almoço, onde passo a noite", diz este homem de 40 anos, que esconde sua verdadeira identidade por medo.

Pequenos e grandes comerciantes, motoristas, condomínios residenciais e bairros inteiros são vítimas de organizações locais ou internacionais.

No Peru, a extorsão chegou inclusive ao futebol. O atacante Paolo Guerrero quase desistiu de jogar no clube César Vallejo devido a ameaças à sua família.

- "Sabemos quem você é" -

É o mesmo mal com múltiplos nomes: no Peru são "Los Pulpos", na Colômbia é o "Clan del Golfo" e no Equador, "Tiguerones". Há também o temido "Tren de Aragua" da Venezuela, a organização que mais se expandiu nos últimos cinco anos, com presença na Colômbia, Chile e Peru.

Estes grupos transformaram-se em "empresas do crime" em busca de mercados e de "parceiros em outros países", afirma o procurador peruano Jorge Chávez.

Apesar do poder intimidador destas gangues, as denúncias dispararam.

No ano passado, o Peru recebeu 19.401 denúncias, em comparação com 4.119 em 2021, um aumento de 471% em dois anos.

No Equador, que enfrenta um ataque sem precedentes dos traficantes de drogas, as denúncias aumentaram 482%, passando de 2.801 casos em 2021 para 13.500 até setembro de 2023.

Na Colômbia, onde guerrilheiros e paramilitares também praticam extorsão há décadas, o número quadruplicou desde 2012: 2.316 casos em comparação com 9.297 no ano passado, segundo todos os dados oficiais.

No México, uma extorsão é denunciada a cada hora, segundo o sindicato empresarial Coparmex.

O medo se espalha com métodos e mensagens semelhantes.

"Sabemos quem você é, já sabemos a que horas abre a sua loja (...), sabemos quando você vai ao mercado, sabemos onde seu filho estuda", é o alerta que se tornou comum no WhatsApp, conta Andrés Choy, presidente da Associação de Comerciantes do Peru, que reúne 22 mil pequenos comerciantes.

Segundo estimativas, 13 mil deles foram chantageados no ano passado. A próxima mensagem poderia ser a "foto do seu familiar caminhando", que faz alguns fecharem seus comércios ou mandarem os filhos para o exterior, acrescenta.

Viúva de 43 anos e com duas filhas, Anita é outra vítima aterrorizada. Em janeiro, lançaram um explosivo e atiraram na fachada de sua loja de ferragens em Lima.

"As ameaças mudaram a minha vida. Tenho que ficar escondida com as minhas filhas entre quatro paredes", lamenta.

- "Estado paralelo" -

As gangues praticamente criaram um "Estado paralelo": controlam territórios para depois estabelecer um sistema tributário, afirma o coronel equatoriano Roberto Santamaría, chefe de polícia de Nueva Prosperina, um dos bairros mais violentos do porto de Guayaquil.

Depois de imporem o terror por meio de ameaças, garantem seus lucros empregando frequentemente menores de idade, que não podem ser presos. Outra facção é responsável por atacar aqueles que resistem ou não cumprem as ordens.

Em uma fase mais sofisticada do crime, um grupo cede "a administração" da sua área a outro por uma quantia regular de dinheiro.

O "coronel" aumenta seu poder financeiro: em um único complexo de 2.000 casas em Nueva Prosperina, cada uma pagava dois dólares (quase 10 reais) por dia; 120 mil por mês (598 mil reais), que podem chegar a 200 mil (996 mil reais) com a cobrança aos motoristas.

Na Colômbia, o controle pode se estender a bairros inteiros. Em Buenaventura, seu principal porto no Pacífico, com 311 mil habitantes, "todos têm que pagar" seja para "abrir um negócio, construir ou melhorar um edifício", diz Elizabeth Dickinson, analista da ONG Crisis Group na Colômbia.

- Do call center à IA -

Diante do avanço da extorsão, o Peru criou em novembro uma força de elite para combater esse crime, cujos métodos também mudaram.

A princípio, as gangues extorquiam em troca da garantia da segurança que elas mesmas tiravam. Depois veio a modalidade "gota a gota", pequenos empréstimos com juros semanais de até 20%.

"Quando o 'cliente' não consegue pagar, começa a questão da extorsão: se você não pagar, vamos incendiar o seu quiosque, pegar a sua família, irmã ou filhos e feri-los ou matá-los", explica o promotor Chávez.

Ultimamente há "call centers" que oferecem empréstimos com juros mais baixos por meio de um aplicativo, que as vítimas baixam em seus celulares. Elas recebem o dinheiro após compartilharem informações pessoais, que serão usadas para chantagear toda a família.

Além disso, os criminosos usam inteligência artificial para criar fotos nuas de rostos de mulheres reais. A imagem, com a mensagem "sou puta, me ligue nesse telefone" circula entre familiares e amigos. Para não viralizar, as vítimas têm que pagar, explica o promotor.

Apesar do alto impacto da criminalidade, nas prisões peruanas – de onde também são feitas inúmeras ligações de extorsão – há pouco mais de mil pessoas condenadas por esse crime, menos de 1% de toda a população carcerária.

E apesar do medo, em muitos lugares os negócios continuam: Eduardo finalmente abriu sua sauna e Anita continua com sua loja de ferragens.

K.Laurent--JdB