Journal De Bruxelles - Os deslocados do sul de Gaza, condenados a se virar para sobreviver

Os deslocados do sul de Gaza, condenados a se virar para sobreviver
Os deslocados do sul de Gaza, condenados a se virar para sobreviver / foto: AFP - AFP

Os deslocados do sul de Gaza, condenados a se virar para sobreviver

No extremo sul de Gaza, os deslocados palestinos se organizam como podem, abrigando-se sob lonas de plástico por falta de barracas, coletando galhos para fazer fogo e sobrevivendo com sêmola como única fonte de alimento.

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Milhares de pessoas continuam fugindo de Khan Yunis, uma grande cidade no sul da Faixa de Gaza cercada pelo Exército israelense, em direção a Rafah, menos de 10 km ao sul, na fronteira com o Egito, que está fechada.

Muitos desses deslocados já haviam tido que deixar suas casas semanas atrás com suas poucas posses para escapar dos bombardeios e dos combates no norte do território entre o Hamas e Israel. Agora, eles estão encurralados em uma área cada vez menor.

"Chegamos aqui sem nenhum abrigo, choveu a noite toda, não temos nada para comer, nem pão nem farinha", conta Ghassan Bakr à AFP.

Os supermercados em Rafah, como em toda a Faixa, estão vazios. No mercado, os agricultores que ainda podem cultivar suas terras vendem tomates, cebolas, repolhos e outras verduras.

Em um canto, crianças se lançam sobre uma grande panela de sêmola cozida por uma organização de caridade, limpando o fundo da panela com pratos e potes de plástico.

"A população de Gaza vive um horror absoluto que só piora", denunciou a ONU nesta quarta-feira, afirmando que três quartos dos 2,4 milhões cidadãos do território palestino foram forçados a deixar suas casas desde o início da guerra, quase dois meses atrás.

A guerra foi desencadeada pelo ataque dos combatentes do Hamas em território israelense em 7 de outubro, no qual 1.200 pessoas, a maioria civis, morreram, segundo Israel.

Em resposta, Israel prometeu "aniquilar" o movimento islamista e lançou uma campanha de bombardeios e uma operação terrestre no território palestino, matando, de acordo com o governo do Hamas, pelo menos 16.248 pessoas, mais de 70% das quais mulheres, crianças e adolescentes.

- 'Sem teto, sem paredes' -

Em um terreno arenoso entre prédios em construção, surgiram nos últimos dias várias tendas improvisadas, com a estrutura feita de placas de madeira. Entre uma barraca e outra, cordas são estendidas para secar roupas.

Por toda parte, há malas, mantas empoeiradas e pedaços de madeira amontoados para acender fogueiras. Aqui e ali, pessoas perambulam com latas em busca de água.

"Houve bombardeios, destruição [...], ameaças e pedidos para evacuar e sair de Khan Yunis. Mas para onde ir?", pergunta Khamis al Dalu.

Mais de 80% dos cidadãos de Gaza são refugiados ou descendentes de refugiados que foram obrigados a deixar suas terras quando o Estado de Israel foi criado, em 1948.

"Para onde vocês querem que a gente vá, pelo amor de Deus?", pergunta Khamis al Dalu. "Saímos de Khan Yunis e agora estamos em tendas em Rafah, sem teto, sem paredes".

- "Cidadãos indefesos" -

Nesta quarta-feira, Khan Yunis também foi atingida pelos combates. Em suas ruas desertas, os poucos habitantes restantes caminhavam entre os escombros deixados pelos bombardeios israelenses, e os hospitais continuavam recebendo feridos.

"Estávamos sentados e de repente houve um bombardeio, uma pedra me acertou na cabeça", diz Husein Abu Hamada.

"Estamos arrasados, mentalmente destruídos", admite Amal Mahdi, que sobreviveu a um bombardeio. "Precisamos de alguém ao nosso lado. Precisamos que alguém encontre uma solução para sair dessa situação", acrescenta.

À tarde, o Exército israelense lançou panfletos sobre a cidade com um versículo do Alcorão impresso. "O dilúvio os leva porque foram injustos", em alusão à operação dos combatentes do Hamas em 7 de outubro, batizada de "Dilúvio de Al Aqsa", pela mesquita considerada o terceiro lugar mais sagrado do islamismo em Jerusalém.

"Mas o que fizemos de errado?", pergunta Um Shadi Abu el Tarabeesh, um deslocado do norte de Gaza que chegou a Rafah.

"Não temos armas, não somos terroristas e não causamos mal a ninguém. Somos cidadãos indefesos, procuramos refúgio de um lugar para outro, e agora eles nos jogam isso? O que eles querem com essas palavras?", insiste.

A AFP entrou em contato com o Exército israelense para perguntar sobre os panfletos, mas ainda não obteve resposta.

I.Servais--JdB