Indígenas ganham poder no Brasil, mas os desafios do racismo persistem
Após se catapultar do ativismo para um assento no Congresso, a deputada indígena Célia Xakriabá (Psol-MG) ganhou "incidência" na política brasileira. No entanto, ela também é alvo de racismo e de tentativas de silenciamento no hemiciclo, denuncia.
Há algum tempo, algumas figuras indígenas brasileiras, como o cacique Raoni, são reconhecidas no mundo por suas campanhas de defesa do meio ambiente, mas, até este ano, os povos originários estavam ausentes das posições de poder no país.
Sua população é pequena: representam menos de 1% (0,83%) dos 203 milhões de brasileiros, mas seu papel é decisivo, segundo os cientistas, que consideram seus territórios como barreiras contra o desmatamento e o aquecimento global.
"Nós chegamos aqui para reflorestar um pouco o Congresso Nacional", disse Xakriabá, uma dos cinco indígenas eleitos nas eleições passadas - um número recorde - entre os 513 membros da Câmara dos Deputados.
O Senado, com 81 assentos, não conta com nenhum.
Sonia Guajajara (Psol-SP), também eleita deputada, deixou o Parlamento para liderar o inédito ministério dos Povos Indígenas, criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva após assumir o governo pela terceira vez.
E à frente da Funai, ente governamental de defesa dos 305 povos indígenas, está a ex-deputada Joenia Wapichana, a primeira mulher indígena a se tornar advogada no Brasil.
"Historicamente, nós, povos indígenas, fomos contra essa participação indígena na estrutura do Estado", disse Guajajara à AFP
Mas isso mudou, especialmente, durante o governo "anti-indígena" do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022): "Mas chegou um momento em que nós achamos que seria importante ter essa voz legítima para trazer a priorização das pautas indígenas, do meio ambiente, da cultura e dos modos de vida", acrescentou Guajajara.
Lula encarregou Guajajara de reativar o processo - paralisado por Bolsonaro - de demarcação dos 700 territórios reservados aos povos indígenas, para protegê-los das invasões de criadores de gado e mineradores ilegais, um pedido histórico do movimento.
Desde abril, Lula, um declarado defensor das causas indígenas, ordenou a demarcação de oito novas reservas.
Apesar disso, os ativistas ainda não obtiveram "grandes resultados" do novo ministério, "um espaço que ainda está sendo construído", disse Dinaman Tuxá, coordenador da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
No entanto, destaca a "aguerrida" posição de deputados como Xakriabá, de 34 anos, e com um mestrado em Desenvolvimento Sustentável, para defender a agenda indígena na Câmara dos Deputados, que tacha de "reacionária".
- "Maioria não é melhoria" -
O Parlamento, majoritariamente conservador, aprovou, em setembro, uma regra que dá o direito aos povos originários de reivindicar apenas os territórios que ocupavam em 1988, quando a Constituição foi promulgada.
Apesar da derrota, Xakriabá defende que a bancada indígena fez barulho nos debates e atrasou a tramitação, mudando a "narrativa".
"Demonstramos que, mesmo que sendo poucas aqui, a nossa presença, ela é muito necessária para incidir" na agenda indígena e ambiental, afirma a deputada por Minas Gerais, em entrevista à AFP.
"Nem sempre quem é maioria é melhoria".
O núcleo do projeto de lei foi vetado por Lula e deve ser revisado novamente pelo Congresso. Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou tal tese inconstitucional.
Xakriabá denuncia que o Congresso é um lugar "muito árido" para uma "jovem mulher indígena" que defende "pautas de diversidade".
"O racismo é muito grande", aponta.
Ela diz-se alvo de comentários "intimidatórios" de outros parlamentares e, em algumas ocasiões, a tacharam de "índia" vendedora de artesanato dentro do Congresso, disse.
Para combater esse flagelo, sonha com um futuro em que haja pelo menos um representante indígena para cada um dos 27 estados.
"Lá nos territórios nós enfrentamos as balas, nós enfrentamos o genocídio (...) Aqui tentam calar nossa voz", diz a deputada, adornada com um cocar de plumas brancas e azuis e o rosto pintado.
- Presidente indígena -
"A gente conseguiu avançar muito. E agora é um caminho sem volta", diz Guajajara.
Mas ainda se deve mudar o olhar sobre os indígenas, vistos como "inferiores" pela sociedade e alvo de um acesso "desigual" aos cargos de escolha popular, acrescenta.
Desde agora, se preparam para as eleições municipais de 2024, articulando alianças com os partidos progressistas, e pressionando a Justiça para distribuir fundo eleitoral e cotas mínimas de acesso aos meios de comunicação para os candidatos indígenas.
Para Tuxá, a aposta é maior.
"Nós queremos indígenas ministros, nós queremos indígenas na Suprema Corte, nós queremos indígenas para ocupar os espaços de tomada de decisão e até presidente da República", diz à AFP.
B.A.Bauwens--JdB