Journal De Bruxelles - Sabores da terra natal, o cordão umbilical dos migrantes

Sabores da terra natal, o cordão umbilical dos migrantes
Sabores da terra natal, o cordão umbilical dos migrantes / foto: CLAUDIO CRUZ - AFP

Sabores da terra natal, o cordão umbilical dos migrantes

Laura Linares sente falta dos amigos e familiares na Venezuela, de onde saiu há cinco anos, mas quando prepara "turmada" sente que a casa da família foi levada para o México. O prato, com o qual ganhou um concurso culinário, é sinônimo de felicidade para ela.

Tamanho do texto:

Para Laura e muitos outros migrantes que buscam uma vida melhor, a comida de sua terra natal tem um ingrediente emocional que os conecta com o que mais amam.

"Quero me sentir perto da minha família, da minha avó, dos momentos importantes", diz Linares à AFP, enquanto cozinha turmada em seu pequeno apartamento na Cidade do México.

Ela migrou para lá, devido à crise venezuelana e para fazer um mestrado em linguística.

Com essa receita, a jovem de 29 anos, natural da cidade andina de San Cristóbal, foi uma das vencedoras em março do concurso internacional Sabores Migrantes Comunitários, organizado pela IberCultura Viva, um programa de cooperação técnica e financeira entre governos da região, presidido pelo México.

Trata-se de um ensopado de batatas típico dos Andes venezuelanos, sem a fama da arepa, das hallacas, ou do pabellón de seu país, mas igualmente apetitoso e cativante. Inclui leite, no qual as batatas são cozidas, cebolinha em porções generosas, queijo e ovo cozido.

- Ritual -

Embora a turmada seja um prato para compartilhar, Linares conta que nunca pensou em "tirá-lo da cozinha" de sua casa na Venezuela. Mas o que ela ia fazer “mantendo aquela receita em um lugar que não era mais dela?", expôs em sua candidatura.

A palavra turmada vem de turma, "batata" na língua dos indígenas timoto-cuicas. A jovem se virou para encontrar no México as batatas, o queijo e a manteiga mais parecidos com os que sua avó usava.

Para ela, foi uma forma de se reconciliar com sua realidade. Migrar, como fizeram sete milhões de seus compatriotas nos últimos anos, não foi fácil, ainda que no México tenha experimentado novamente maçãs, um dos muitos produtos escassos, ou impagáveis, em seu país.

"No primeiro ano, passa-se por um estado de depressão", afirma a coautora de "El Carrito Venezolano", um livro fotográfico de produtos que compõem a identidade culinária venezuelana.

Para enfrentar os altos e baixos emocionais, Linares começou a preparar pratos "crioulos", em uma referência aos descendentes de europeus nascidos na América hispânica. Entre essas essas iguarias, estão o bolo de banana e os bolinhos temperados à base de farinha de milho com refogado de cebola, pimentão e pimenta doce.

"Comecei a fazer receitas como rituais" e como uma forma de "trazer minha casa", lembra.

Isso também ajudou Laura a formar uma comunidade, cozinhando para novos amigos, aos quais diz: "Existem a arepa e os tostones (frituras de banana verde achatadas), e a praia venezuelana é muito legal, mas eu sou de um lugar que é muito frio, a cordilheira andina, e existem esses pratos que ninguém conhece e que não vão encontrar em um restaurante venezuelano aqui".

Cerca de 340.000 estrangeiros se estabeleceram no México em 2022, em um contexto de migração em massa para os Estados Unidos, segundo dados oficiais.

- Volta às origens -

O México seduz paladares com um vasto mosaico de pratos, alguns com preparações pré-hispânicas como o mole, feito durante dias com pimentões, especiarias, sementes e chocolate. Ainda assim, não diluem a nostalgia dos migrantes pelas receitas de casa.

Essas evocações fazem parte de um "processo identitário que se forja desde que nascemos", explica à AFP o guatemalteco Edizon Muj Cumes, pesquisador de sistemas alimentares de povos ancestrais.

Quando "estamos em outro território, experimentamos outras comidas, mas sempre voltamos à origem da nossa alimentação, aquela que nossas mães nos davam para sentir todo esse vínculo", comenta Muj, de 27 anos, membro da comunidade maia kaqchikel, de Semetabaj (Guatemala).

Ele comprovou isso quando cursou um mestrado no México e ganhou dinheiro vendendo tamales aos seus conterrâneos com grande sucesso.

Em frente a um abrigo para migrantes na capital mexicana, uma cena evidencia esse cordão umbilical: um grupo de haitianos se aglomera em torno de um compatriota que vende frango.

Com o valor da porção (equivalente a 5,5 dólares, ou 27,4 reais), eles poderiam comprar até oito tacos mexicanos. Mas o frango está temperado como se faz na ilha.

"Me vieram (à mente) meu país, minha cidade, minha vila", corrobora José Bustillos, um venezuelano de 45 anos que chorou quando voltou a comer arepa quase dois meses e meio depois de deixar seu país.

D.Verheyen--JdB